sexta-feira, 8 de agosto de 2014
Mais sobre Lambieks ou lambics
Segue um texto retirado do blog O CRU E O MALTADO:
As lambics de frutas são geralmente o primeiro contato que temos com o mundo das cervejas de fermentação espontânea – tanto é que muita gente confunde “lambic” com “fruit beer”. Já sabemos que isso não é exato: existem tanto lambics sem frutas (e na última parte desta matéria tivemos a oportunidade de “beber” seis delas) quanto cervejas de frutas que não são lambics. Mas o fato é que as frutas são parte inevitável do imaginário coletivo sobre as exóticas cervejas de fermentação espontânea do vale do rio Senne. Se, no caso das gueuzes, as diferenças entre uma marca e outra refletem principalmente as particularidades do terroir e as preferências do blender, o mesmo não ocorre necessariamente com as lambics de frutas. Nelas, a fruta adiciona novas camadas de informação sobre a cerveja-base, o que significa que, em grande medida, as características de cada fruta vão influenciar de forma determinante o caráter final do produto. Mas depende da habilidade do produtor e do blender extrair da fruta aquilo que ele quer em sua cerveja. Alguns exemplos deixarão isso claro.
Fatores históricos ajudam a explicar por que as cervejas com frutas ficaram tão fortemente associadas às lambics. Arqueólogos sugerem que as primeiras cervejas da história, ainda na Antiguidade, provavelmente eram feitas com a adição de frutas ou flores. Isso tinha um objetivo bastante prático: como não se conhecia bem o processo de fermentação e nem as leveduras responsáveis por transformar um caldo de cereais em cerveja, a fermentação era feita de forma “espontânea”, sem inoculação direta de leveduras (como ocorre até hoje nas lambics). Nesse contexto, frutas maduras eram frequentemente adicionadas para iniciar a fermentação, já que elas geralmente possuíam leveduras selvagens em suas cascas e acabavam por inocular o mosto.
O uso das frutas em outros tipos de cervejas quase desapareceu com os desenvolvimentos tecnológicos que levaram à criação das ales e lagers. Disseminada durante a Idade Média, a prática de retirar a espuma que se forma no topo da cerveja em processo de fermentação (que é constituída basicamente de leveduras) e adicioná-la ao mosto recém-preparado tornou a adição de frutas desnecessária. Além disso, em terras germânicas, a Lei de Pureza de 1516, na Baviera, proibiu o uso de frutas na fabricação de cervejas em território bávaro. Vimos que, hoje em dia, a fermentação das lambics também ocorre de forma independente das frutas – elas só entram quando a cerveja já está totalmente fermentada. Ainda assim, permanece a ligação histórica entre frutas e fermentação espontânea.
Na região de Bruxelas, diferentemente do que aconteceu em todo o restante da Europa, as cervejas continuaram a ser feitas sem inoculação de fermento, e a adição de frutas continuou sendo apreciada pelos produtores e consumidores. É possível traçar claramente os antecedentes das atuais lambics de frutas pelo menos até o século XIX. As lambics eram normalmente servidas direto dos barris nos chamados cafés, que compravam a cerveja dos produtores e a vendiam ao público. Na época, a produção e o consumo eram extremamente regionalizados. Devido às dificuldades de transporte e acondicionamento, bebia-se praticamente apenas a cerveja produzida em cada localidade. No caso das lambics, era comum que só houvesse uma única cerveja disponível no café: a lambic do produtor local. Para variar um pouco a oferta de cervejas, os proprietários dos cafés adicionavam frutas aos barris, dando origem às fruit lambics.
Tradicionalmente, usavam-se as frutas cultivadas na região de Bruxelas, que então era famosa pelos amplos pomares de cerejas azedas da região de Schaarbeek, hoje quase extintos. Daí o fato de as lambics terem ficado historicamente associadas às cerejas: é claro que a fruta complementa de forma admirável o perfil das cervejas locais, mas a sua disponibilidade foi o fator crucial.
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